Existe campanha eleitoral sem aglomeração? Se depender da garçonete Maria Aparecida, moradora de Brejo Santo, no Cariri, a resposta é só uma. “Não deveria. Porque já está todo mundo com medo, se for ter isso de juntar pessoas, sair falando, é muito arriscado”. A opinião, muito comum principalmente no Interior do Ceará – região que hoje concentra novos casos da Covid-19 no Estado -, já antecipa o clima de uma disputa sem precedentes no País.
Da redemocratização até 2018, cenas como distribuição de santinhos, envio de militantes a esquinas e, principalmente, grandes comícios e caminhadas pela cidade sempre foram parte do “bê-a-bá” da política brasileira. A rotina das campanhas, no entanto, é mais uma que dificilmente se sustentará diante da chegada do novo coronavírus. É isso, pelo menos, que esperam eleitores de diversos municípios ouvidos pelo O POVO na última semana.
Ao todo, a reportagem percorreu o Estado e ouviu moradores de Barro, Brejo Santo, Fortaleza, Icó, Jaguaribe, Jati, Milagres, Russas e Sobral sobre qual campanha eles desejariam ver na eleição deste ano. Na maioria dos casos, os eleitores afirmam que ainda não começaram a pensar na disputa deste ano em si, mas dizem acreditar que candidatos que promovam aglomerações não serão vistos com bons olhos pela população.
“Até pelo que está acontecendo, eu queria que a campanha fosse somente de forma online, sem movimento, sem comício, sem aglomeração. E que meu candidato fosse eleito, claro”, brinca Rejane Caldas, moradora de Milagres, no Cariri. Apesar do receio com a doença e o desejo pela disputa remota, a própria eleitora confessa: “No finalzinho acredito que vai acabar tendo aglomeração, principalmente na nossa cidade, que sempre fica bem movimentada”.
”Até pelo que está acontecendo, eu queria que a campanha fosse somente de forma online, sem movimento, sem comício, sem aglomeração”.
Também apostando em uma maior presença online na campanha, o comerciante Orlando Vidal, de Jati, diz que o maior receio é saber qual será o tamanho da influência das redes sociais na disputa, sobretudo por conta da disseminação de fake news. “Se for ficar ouvindo o pessoal da cidade, que pega nos cantos e vai espalhando, você só fica desesperado. São coisas que não têm fundamento. Eu não, gosto de procurar algo mais confiável”, diz.
Quanto aos temas da campanha, eleitores ouvidos pelo O POVO destacam a questão do emprego e da renda, principalmente no cenário incerto após a pandemia. “Eu mesma, que trabalhava em lanchonete e em casa de famílias, fiquei sem conseguir serviço. Se não fosse o auxílio emergencial, muita gente estaria morrendo de fome. Acho que todo mundo quer saber quem vai poder oferecer algo para mudar isso”, diz a autônoma Lucilene Madalena, de Jati.
Apesar da opinião dos eleitores, o cientista político Felipe Albuquerque, pesquisador da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), avalia como pouco provável o cenário de uma disputa neste ano sem o corpo a corpo. “Não tem muito para onde fugir, eleição para prefeito e vereador tem um tom local muito forte”, diz, destacando sobretudo a figura do vereador, liderança de forte projeção local, com contato mais direto com o eleitorado.
Não tem muito para onde fugir, eleição para prefeito e vereador tem um tom local muito forte””.
Ele destaca, no entanto, que a questão atinge mais a esquerda. “Pelo próprio discurso de sem aglomeração, do ‘fique em casa’. Eles (candidatos de esquerda) têm esse discurso”, diz, destacando menor adesão a este tipo de visão entre a direita.
Apesar de avaliar ser cedo para prognósticos (principalmente porque ainda não se sabe qual papel o presidente Jair Bolsonaro terá na disputa), Albuquerque diz acreditar que será uma campanha de muitos candidatos (até pelo fim das coligações proporcionais) e pouca renovação.
Devem pesar ainda quais serão os regulamentos específicos para a disputa que serão criadas pelo Congresso Nacional, e o tipo de fiscalização montada pela Justiça Eleitoral neste sentido.
Líder do PDT na Câmara dos Deputados, André Figueiredo (CE) já afirmou que o partido irá puxar coro para que todo tipo de atividade que gere aglomerações seja banida da disputa. Entre eventos “na mira”, estão proibições de carreatas, comícios e ações do tipo. A Casa ainda deve votar regulações até 15 de novembro.
O empresário Nilton Dantas Linhares, de Russas, vai em outra linha. Para ele, todas essas novas questões envolvendo o novo coronavírus serão pequenas diante dos “velhos problemas” da política brasileira. “Vai pesar mesmo é o dinheiro. O pessoal, principalmente esse mais novo, não quer saber de trabalhar, de cobrar coisa. Eles querem é dinheiro”, diz, destacando os conhecidos problemas do abuso de poder econômico e da compra de votos, sobretudo em municípios do Interior.
OPOVO online
Deixe um comentário