Em uma sociedade ainda tão excludente, conseguir transpor as barreiras impostas às diferenças é uma grande conquista. É o caso de Davi Soares Cavalheiro, estudante com deficiência visual do curso técnico integrado em Agropecuária do campus de Tauá do Instituto Federal do Ceará (IFCE). O jovem de 19 anos foi aprovado no curso de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), um dos mais concorridos do Estado, na última edição do Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
“Uma mistura de felicidade e insegurança” é como Davi descreve a sensação que teve ao saber da aprovação. Filho de agricultores, ele carrega a esperança de ser o primeiro da família a conseguir o diploma de ensino superior e se prepara para os desafios da nova etapa na capital cearense. “Eu, como alguém que não enxerga, tenho muito mais dificuldades para ir a uma cidade nova do que alguém que enxerga. É um mundo totalmente novo e que eu não vejo”, diz.
Ao entrar no IFCE, Davi também chegava em um lugar ainda desconhecido e trazia as preocupações de quem vinha de experiências anteriores pouco ou nada inclusivas. Com o tempo, se abriu um universo de novas possibilidades. “Minhas perspectivas foram mudadas drasticamente. Eu percebi que, mesmo cego, posso aprender disciplinas visuais, como biologia e matemática, caso os recursos e mecanismos que existem sejam utilizados. Até acabou tirando muitos medos que eu tinha de ir a um curso superior e não ter como me adequar às disciplinas”, conta.
Na sala de aula, o estudante é descrito pelos professores como um aluno interessado, engajado e independente. Durante o ensino médio, ele atuou como presidente do grêmio estudantil e participou de projetos de empreendedorismo, xadrez e matemática, além de ter sido integrante e bolsista do Núcleo de Acessibilidade às Pessoas com Necessidades Específicas (NAPNE).
Educação inclusiva
A trajetória de Davi Cavalheiro foi acompanhada de perto por setores estratégicos do campus, que buscaram alternativas e soluções para o aprendizado adequado do estudante. A aprovação em uma das melhores universidades públicas é apenas um dos resultados desse trabalho conjunto entre Assistência Estudantil, Coordenação Técnico-Pedagógica, Ensino e NAPNE.
O professor de Educação Física Jayme Félix relata que buscou dialogar constantemente com o estudante para entender como poderia ofertar aulas mais acessíveis. Esse cuidado precisou ser ainda maior com a chegada das aulas virtuais. “Da mesma forma que no ensino presencial eu sempre ficava atento a promover a audiodescrição de todas as imagens e recursos que eram apresentados, eu tentei potencializar isso no ensino remoto”. Outras ferramentas utilizadas por ele foram o envio de avaliações em formatos adequados a programas de leitura de textos e conversas no WhatsApp.
“Uma escola inclusiva é feita por todas as pessoas que convivem nela. Isso vai além da sala de aula”, destaca a pedagoga Karla Gonçalves. Ela enumera algumas ações promovidas pelo campus para facilitar a adaptação do aluno: formação de professores, visitas a instituições que trabalham com alunos cegos, diálogos com especialistas e pesquisadores da área da educação inclusiva e o acompanhamento do estudante na iniciação dos estudos em braille.
Apesar de ainda ser necessário muito trabalho para construir um ambiente educacional adequado às variadas diferenças, a pedagoga indica que o pontapé inicial foi dado. “A acolhida de um aluno com limitações específicas ocorre logo na entrada da escola, perpassa corredores, refeitório e espaços de convivência social. Nesse sentido, a chegada do aluno Davi Cavalheiro mobilizou todo o campus de Tauá para incluí-lo da forma mais digna e humana possível”.
Diário do Nordeste
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