Senador Pompeu, município cearense com 26 mil habitantes no interior do Ceará, guarda no patrimônio arquitetônico a memória de um episódio emblemático da história do Brasil: a criação de campos de concentração para retirantes da seca. Erguidos no Ceará em dois momentos distintos: em 1915 e 1932, os campos de concentração eram espaços de aprisionamento espalhados estrategicamente em rotas de migração no estado para evitar que os chamados “flagelados da seca” chegassem a Fortaleza, em busca de auxílio.
O Ceará teve oito campos de concentração, sendo sete na seca de 1932. Neste sábado (20), o sítio arquitetônico do “campo de concentração do Patu”, em Senador Pompeu, será oficialmente tombado patrimônio histórico-cultural municipal após anos de espera.
A história dos campos de concentração no Ceará origina-se em processos vividos na seca de 1877, quando um ciclo intenso de estiagem motivou grandes deslocamentos de retirantes do interior do estado para Fortaleza. Em 1915, temendo que a situação de 1877 se repetisse, o Governo Estadual da época, coronel Benjamin Liberato Barroso, criou o primeiro campo de concentração do Ceará, em Fortaleza, no chamado Alagadiço, atualmente Bairro de São Gerardo.
O primeiro campo de concentração, registram os documentos oficiais, nasceu em decorrência da seca de 1915, quando os chamados abarracamentos – barracas espalhadas pela cidade – deram lugar a áreas de concentração dos migrantes. Os retirantes chegavam, sobretudo, pela via férrea e eram contidos em um grande terrenos para evitar, dentre outras coisas, que passassem a vagar pela capital, ampliando cenários de pobreza. A concepção de uma área para concentrar migrantes veio após o acolhimento no Passeio Público, no Centro da cidade, exceder os três mil retirantes, registra o documento.
Apoiado na noção de ordenamento, um terreno no Alagadiço concentrou retirantes. O local chegou a abrigar cerca de oito mil pessoas. Findado o período de estiagem, em 1916, o campo foi desfeito. Já em 1932, o inverno era esperado com ansiedade, mas um novo ciclo de secas fez o estado, retornar a cruel ideia de confinar retirantes. A experiência se repetiria desta vez além de Fortaleza em outros cinco municípios. Crato, Senador Pompeu, Quixeramobim, Cariús e Ipu.
Em 1932, duas grandes estradas de ferro, a Baturité e a de Sobral, cortavam o Ceará. A primeira cortava o estado de norte a sul. Saindo de Fortaleza seu principal percurso seguia rumo às maiores cidades do Sertão Central, passando pelo Cariri, onde se localizam Juazeiro do Norte e Crato. A via também alcançava Quixeramobim e em seguida por Senador Pompeu. O único campo cujo a cidade não tinha estação ferroviária era o Cariús, mas este ficava a poucos quilômetros da estação da cidade de Cedro.
Os campos eram acampamentos provisórios, por isso foram imediatamente desfeitos após a desocupação, relata o historiador Fred de Castro Neves. Somente em Senador Pompeu foram aproveitadas instalações de alvenaria dos prédios abandonados pelas empresas inglesas que iriam construir o Açude do Patu, conta ele. Isso explica a ausência de vestígios nos demais municípios. Os campos de 1932 foram encerrados em 1933.
Embora guardem marcas de momentos cruéis na vida de retirantes, estas áreas, ressaltam historiadores, apesar de serem chamadas de campos de concentração não podem ser associadas aos campos de extermínio que existiram na Alemanha, durante o regime nazista.
A semelhança, explica o historiador Airton de Farias, está atrelada à ideia de controle sobre uma determinada população. No mais, os campos de concentração do Ceará não tinham a finalidade de exterminar a população abrigada, apesar de as condições sanitárias desses locais configurarem riscos profundos aos retirantes.
“Os campos tinham uma função prática de controlar a população pobre, os flagelados, como eram chamados na época, as pessoas que vinham do interior para Fortaleza atrás de auxílio. As pessoas eram colocadas nesses campos, separados homens e mulheres”, explica ele.
Ruínas de Senador Pompeu
As ruínas a serem tombadas oficialmente neste sábado (20) reafirmam a existência dos campos de concentração no Ceará. O tombamento deverá proteger o que restou da estrutura de 12 casarões, a Vila Operária e as três casas de pólvora em Senador Pompeu.
Na última década, inúmeros pedidos de tombamento do complexo do Campo do Patu foram feitos, mas não tiveram continuidade. Em 2010, a prefeitura do município realizou o pedido de proteção que passou a ser avaliado. Em 2017, a Comissão de Patrimônio da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Secult) que oficializou o preservação provisória de pontos históricos do complexo.
O tombamento ocorre após o Ministério Público do Estado do Ceará ter firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Prefeitura de Senador Pompeu. Um relatório do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) afirma o campo de concentração no local foi estruturado em 1932.
Historiadores explicam que o campo de concentração de Senador Pompeu é o único a possuir ruínas. Isto porque no município, o terreno usado para a aglomeração de retirantes era oriundo de uma outra finalidade. O conjunto, iniciado em 1919 e que ficou conhecido como Vila dos Ingleses, não foi concluído, já que a construção do açude a ser realizada pela empresa inglesa Dwight P. Robinson e Co., foi paralisada em 1923.
O conjunto arquitetônico está localizada em uma área pertencente à Inspetoria Federal de Obras contra as Secas (IFOCAS), atual Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS).
Ausência de vestígios ‘apaga’ memória em Fortaleza
Se no município de Senador Pompeu, o processo de tombamento, reafirma a existência dos campos de concentração de retirantes da seca no Ceará, em Fortaleza, a ausência de resquício físicos relega ao esquecimento esse capitulo cruel da história.
Os registros oficiais apontam a existência de três campos de concentração em Fortaleza, em períodos distintos. O campo do Alagadiço (atual São Gerardo), em 1915 e os campos do Matadouro (Otávio Bonfim) e do Uburu (Pirambu), em 1932.
Na capital, o silenciamento sobre essa história relega ao esquecimento esse capítulo da memória brasileira. Hoje, há imprecisão sobre os endereços que abrigaram esses campos. O advogado e estudioso do assunto, Valdecy Alves, morador de Fortaleza, mas natural de Senador Pompeu, conta que cresceu envolto pelo imaginário de nascer em uma cidade cujo um conjunto arquitetônico de ruínas evidenciam o que Fortaleza vem relegando ao esquecimento: a memória de vidas flageladas e encurraladas.
Atualmente, Valdecy segue na batalha pelo reconhecimento dos campos de concentração em Fortaleza. Em novembro de 2018, a inauguração de um monumento, um vagão de trem, cedido pela Transnordestina, em uma área da Av. José Jatahy, por onde passava a via férrea de Baturité, no Otávio Bonfim, deu início a um processo de preservação dessa lembrança.
A prefeitura deverá, no segundo semestre de 2019 fixar no local uma placa – uma espécie de memorial – que fará referência a existência do campo de concentração no endereço. Com isto, este será o único local que abrigou um campo de concentração em Fortaleza a ter um monumento que referencie este fato histórico.
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