O governo, conforme manda a Constituição Federal, aumentou o salário mínimo em 2021 para repor o aumento da inflação ao longo do ano anterior. O piso salarial do país subiu 5,26%, de R$ 1.045 em 2020 para R$ 1.100 a partir deste ano, para uma inflação que, divulgada depois, foi de 5,45% em 2020, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
Além de a correção ter ficado alguns decimais abaixo da inflação geral, o salário mínimo de 2021 começou o ano com um problema adicional: a disparada nos preços dos alimentos, que pesam especialmente mais no orçamento das famílias mais pobres. O aumento deles foi muito maior do que o da inflação média e, portanto, muito maior também que o do salário mínimo.
Considerados apenas os alimentos no supermercado, a alta foi de 19%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma das maiores variações das últimas décadas. O preço médio da cesta básica, em algumas capitais, passou dos R$ 600 pela primeira vez, de acordo com acompanhamento feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
É o caso da cidade de São Paulo, onde a cesta de 13 produtos básicos calculada pelo Dieese já custa R$ 630. Arroz, feijão, carne, leite, pão, café e manteiga são alguns dos produtos acompanhados mês a mês pela entidade para calcular o preço médio da cesta.
Com todos eles mais caros, 58% da renda de quem vive com um salário mínimo em janeiro de 2021 (R$ 1.100) fica comprometida com a compra dos alimentos mais essenciais.
É a pior proporção desde 2005, quando comprar a cesta básica completa tomava 62,5% do piso salarial do país, considerado o valor médio naquele ano. O salário mínimo em 2005 era de R$ 300, e a cesta básica custava próximo de R$ 178.
A menor proporção, dali para frente, foi atingida em 2017, quando a cesta básica tomava 46% de um salário mínimo que era de R$ 937 à época. Os cálculos foram feitos pelo Dieese considerado o valor da cesta básica no município de São Paulo.
Poder de compra perdido na ditatura
O maior poder de compra que o salário mínimo já teve ficou bem para trás na história: em 1960, de acordo com série projetada pelo Dieese, uma cesta básica custava apenas um terço do salário base, deixando os 70% restantes livres para outros gastos.
Esse poder de compra foi sendo rapidamente engolido durante a ditadura militar, nos anos de 1960 e 1970, quando o regime deixou de recompor as perdas com a inflação nos reajustes.
Quando o Plano Real começou, em julho de 1994, era necessário gastar o salário mínimo inteiro para inteirar a cesta básica –ambos valiam R$ 64. O controle da hiperinflação daí para frente, seguido de uma política de valorização do salário mínimo nos anos de 2000 e 2010, ajudou a recompor parcialmente esse poder aquisitivo perdido para aqueles que ganham o piso.
Renda de 60% dos trabalhadores
O salário mínimo, hoje, serve de referência para os salários pagos no país e é também o piso para as aposentadorias, pensões e benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), como o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
É ele o valor recebido por 70% dos beneficiários do INSS, enquanto cerca de 60% dos trabalhadores ganham menos do que isso, de acordo com o IBGE. O salário médio atual no país, também de acordo com o IBGE, é de R$ 2.530.
“Em 2019 os alimentos já tinham tido altas pontuais, na carne e no leite, mas, em 2020, o aumento foi generalizado”, disse a supervisora da pesquisas do Dieese, Patrícia Lino Costa. O óleo de soja, por exemplo, dobrou de preço, e arroz subiu 76%. Legumes, frutas, carnes e leite também tiveram altas superiores a 17%.
“A população de baixa renda é a que mais sofre com isso. Depois de pagar os serviços públicos [como luz e água], a renda que sobra vai para comer”, diz Costa.
Dois anos sem aumento real
O ano de 2021 foi o segundo em mais de uma década em que o salário mínimo não precisou ter ganhos reais, isto é, ter um reajuste maior do que o da alta da inflação.
Pela regra anterior, que começou a valer em 2004, o mínimo devia ser automaticamente elevado pela variação da inflação do ano anterior acrescida do crescimento do PIB de dois anos antes. Isso garantia aos trabalhadores que recebem o piso um aumento no poder de compra.
Essa regra valeu até a virada de 2018 para 2019, não tendo sido renovada depois. Os aumentos, desde então, vêm recompondo apenas a inflação, condição mínima que é determinada pela Constituição.
Quando o ajuste é feito apenas pela inflação, o novo valor é suficiente, na média, apenas para que as pessoas continuem sendo capazes de comprar o mesmo volume de coisas que compravam no ano anterior, e que depois ficaram um pouco mais caras.
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