Após uma onda de críticas ao anúncio de que o MEC cortaria verbas de três universidades federais com base em princípios ideológicos, o governo Jair Bolsonaro (PSL) resolveu estender o bloqueio de 30% dos recursos a todas as universidades federais.
Sem reconhecer que o uso de critérios ideológicos fere a Constituição, como dizem especialistas ouvidos pela Folha, o MEC passou a afirmar, na noite desta terça-feira (30), que os bloqueios ocorrerão de forma isonômica.
Mais cedo, o MEC havia confirmado, por meio de nota, que um bloqueio de 30% seria praticado para a UnB, Ufba e UFF. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, havia indicado, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, que se tratava de uma retaliação a atividades políticas ocorridas dentro dessas unidades, o que ele havia chamado de “balbúrdia”, e ao que considerou como fraco rendimento acadêmico.
“A universidade deve estar com sobra de dinheiro para fazer bagunça e evento ridículo”, disse ele, dando como exemplo de bagunça a presença de sem-terra e gente pelada dentro do campus. “A lição de casa precisa estar feita: publicação científica, avaliações em dia, estar bem no ranking”, completou.
Apesar de alegar que essas federais teriam fracos resultados acadêmicos, essa afirmação não é confirmada pelos indicadores.
As três federais ficaram entre as 20 melhores universidades do país na última edição do RUF (Ranking Universitário Folha). Segundo a plataforma de produção acadêmica Web of Science, as três estão entre as 11 instituições brasileiras que mais ampliaram o número de artigos de 2008 a 2017.
Por um lado, a nova postura é uma forma de eliminar o caráter de retaliação por critérios ideológicos, uma vez que indica isonomia de tratamento. Mas, por outro, amplia a previsão de bloqueio para todas as federais, levando preocupações sobre o funcionamento mínimo dos campi.
Os cortes atingem gastos de custeio, como fornecimento de energia, água e segurança.
Todas as universidades federais já enfrentam contingenciamentos de 20% dos recursos previstos para este semestre. Cortes no orçamento do MEC fazem parte de um grande contingenciamento anunciado pelo governo, de R$ 30 bilhões. Do total, R$ 5,8 bilhões são da Educação.
Reinaldo Centoducatte, presidente da Andifes (associação que reúne os reitores das federais), diz que o novo percentual representará o caos para as instituições. “Aquilo que era um equívoco para três universidades, tornou-se um equívoco maior, agora envolvendo todas as universidades, Será um caos se 30% do orçamento for retirado”, disse.
INDISPOSIÇÃO
O episódio rendeu inúmeras críticas e indisposição com o Congresso. O deputado Bacelar (Pode-BA) preparou convocação do ministro para se explicar na Câmara. O líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ), prometeu acionar o STF (Supremo Tribunal Federal), que no ano passado garantiu livre manifestação de ideias em universidades.
Nas redes sociais, o senador Otto Alencar (PSD-BA) ameaçou o governo de barrar votações. “Se a decisão do ministro da Educação de cortar pelo menos 30% dos recursos da UnB, UFF e da Ufba for pessoal e meramente ideológica, o PSD no Senado vai obstruir todas as votações de interesse do governo”, escreveu.
A iniciativa foi considerada inconstitucional por especialistas, por ferir princípios da autonomia universitária e da impessoalidade.
“O ministro está decidindo por conta própria qual padrão as universidades devem seguir, do ponto de vista administrativo”, disse a professora de direito da USP Rina Nanieri, especialista em educação. “Para isso é que existe autonomia universitária, para que as instituições não fiquem à merce do governante de plantão”.
Na Unb, o bloqueio representou R$ 38,2 milhões, na Ufba, R$ 37,3 milhões e na UFF, R$ 44 milhões, segundo informações das instituições.
Após a repercussão negativa, o MEC afirmou que o critério do contingenciamento será técnico e isonômico. “O bloqueio preventivo incide sobre os recursos do segundo semestre para que nenhuma obra ou ação seja conduzida sem que haja previsão real de disponibilidade financeira para que sejam concluídas”, diz a nota. A pasta afirma que o corte pode ser revisto caso a reforma da Previdência seja aprovada e a economia melhore.
O reitor da Ufba, João Carlos Salles, disse que não havia recebido justificativa sobre a decisão do MEC. “A Ufba é espaço de produção de conhecimento, com eventos, discute temas importantes com diálogo com setores da sociedade, inclusive movimentos sociais”, diz. “Não posso aceitar que isso possa ser designado como balbúrdia. Nosso desempenho acadêmico pode ser comprovados nos indicadores”.
Em nota, UnB e UFF defenderam seus resultados acadêmicos e informaram que vão trabalhar para reverter o bloqueio.
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